2007-08-25

Rei

Atlanta, 22 de Agosto de 2007



[chegando de Los Angeles, rumo à conexão que me levará voando ao Rio de Janeiro, pego o metrô deste grande aeroporto e subo a escada rolante até o setor E - acima de minha cabeça, belos azulejos coloridos aparecem, com frases soltas em letra de mão, nas quais não foco minha atenção, pois estou concentrado no todo de beleza que a inesperada obra transmite; não sei por quê, acho que penso em Martin Luther King]

[a escada rolante chega ao fim, viro à direita e... um aparelho impressor de recibos e cartões, ultra-moderno, ganha minha atenção; penso que pode ser muito útil à ONG União da Árvore] e peço informações:

- É um aparelho maravilhoso, que faz isso e mais isso e aquilo também e etc etc etc...
- Quanto custa?
- Nas lojas normais, 250 dólares, mas aqui no aeroporto fizemos um preço especial e está por apenas 195 dólares.
- Achei que fosse mais barato. Muito agradecido pelas informações.

[sigo adiante, pois tenho tempo de sobra para a conexão, mas tempo de falta para pechinchar por um aparelho que já me parece supérfluo, ainda mais levando em conta agora que já estorei o limite de compras permitido pela alfândega]

[páro de repente]

[emoção]

[do lado da venda ultramoderna, um memorial, no meio do aeroporto]

[memorial de Martin Luther King Jr., com roupas, óculos, fotos, livros do grande líder ocidental do movimento de não violência, o Gandhi negro dos Estados Unidos, cujos sonhos fizeram jus ao seu sobrenome King = Rei, rei de força, liderança e humildade]

- "Eu tive um sonho... de que meus quatro filhos um dia viverão numa nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas sim pelo seu caráter".

[é pensar nisso e ver, numa das redomas da exposição, o livro de cabeceira de Rei]

- "Obras Completas de Mahatma Gandhi".

[quero fotografar, mas, diante da neurose norte-americana com possíveis ameaças, busco o sinal de "proibido fotografar"; como não encontro, pergunto a um dos vendedores do aparelho ultramoderno]

- Claro que pode, vá em frente.

[emoção diante de algumas imagens de passeatas, com negros recebendo jatos d'água com que o racismo pretendia "lavar as suas peles", mas com os quais só lavou ainda mais as suas almas, fortalecendo sua luta não-violenta]

[converso comigo mesmo]

[lembro da hora e prossigo, mas logo adiante vejo uma livraria que - deduzo - estará vendendo todos os livros de Rei]

- Você tem algum livro de Martin Luther King?
- Hummm. Seção de Afro-americanos, no finalzinho ali...

[livros de ficção de gosto duvidoso, livros eróticos, livros de receitas afro-americanas, livros de interpretação pragmática da bíblia]

[nada de Rei]

- Você poderia, por gentileza, buscar no sistema, pois não encontrei nada?
- Hummm. Deixa eu ver. [ela passa pelos mesmos livros que eu...] É, não tem.
- Então fica de sugestão venderem os livros dele, pois vocês estão do lado de um memorial; é uma oportunidade e tanto.

[penso em como a Disney sabe aproveitar oportunidades, vendendo todo tipo de artigo sobre algum personagem, numa loja especializada em que culmina a saída do brinquedo temático do mesmo personagem]

[prossigo, mas páro para comprar chocolate amargo, em frente a um vendedor rastafari balançando a cabeça como num show de heavy metal]

- Gostei da dança.
- :-)
- Vou levar este chocolate amargo.
- Mais alguma coisa?
- Você conhece alguma livraria além daquela ali?
- Só aquela ali. Por quê?
- Porque lá há todos os livros do Dan Brown, mas nenhum do Martin Luther King, que tem um memorial do lado da livraria. Gostaria de fazer uma sugestão de que não perdessem esta oportunidade.
- Não seja por isso. Aqui está o papel próprio para você fazer esta boa sugestão.
- :-) Ótimo.
- Basta preencher aqui.
- "Parabéns pelo belo memorial Martin Luther King. Gostaria de sugerir que aproveitassem a oportunidade para pôr seus livros à venda na loja adjacente, de modo que as sementes de paz e união regadas por ele pudessem continuar crescendo em corações em busca de suas palavras férteis. Agradecido."

Um comentário:

Unknown disse...

parabens pela coragem em declarar tudo o que pensa sobretudo tudo de bom que pensa
floca