2007-08-04

Richard

4 de Agosto de 2007,
Los Angeles

[correndo atrás de um carro que sai da Sede-Mãe da SRF em Los Angeles]
[o carro pára e o motorista abre a janela]

- Você por acaso vai para o Centro?

- Hummm. Posso ir.
- Não te atrapalha o caminho?
- Não, moro no deserto a duas horas de qualquer lugar, inclusive do centro.
- Ok. Agradeço muito a carona.
- Sou músico e tenho um ensaio mais a tarde, mas acho que dá tempo.
- Também sou ou fui músico: toco violão/guitarra e já toquei piano. Você, o que toca?
- Toquei piano e hoje toco harmônio - está aí atrás.
- O que você fazia na Sede-Mãe da Self Realization Felowship?
- Sou de uma tradição diferente de yoga, mas digamos que gosto de ler os livros de Yogananda na biblioteca de Yogananda.
- :-)
- De onde você é? Francês?
- Não, brasileiro.
- Estive no Rio de Janeiro uma vez, entrei de barco pela Baía de Guanabara.
- A mistura de Los Angeles me faz sentir em casa.
- Realmente se querias mistura vieste ao lugar certo. É uma pena que a mistura no Brasil se dê com violência entre as favelas e as zonas ricas.
- Uma mistura que não quer misturar mas que já misturou...
- O problema da pobreza.
- Na verdade, utilizamos tão pouco a capacidade infinita da natureza, que nem sei se podemos falar em pobreza - talvez só pobreza de espírito, que devasta o que ignora.
- Em que você trabalha?
- Trabalho numa ONG de Educação Ecológica, mas também estudo Literatura e Sânscrito.
- Então és um acadêmico [scholar]?
- Quanto mais estudo, apenas aprendo o tamanho da minha ignorância. Eu seria mais um devoto acadêmico... devotado a saber cada vez mais que nada sabe...
- Você se interessa pelos mantras dos chacras? Tenho uma música aqui sobre isso...

[ouvimos uma canção evocando os inúmeros aspectos do símbolo de cada chacra]

- Bela canção. Não poderia te dizer muito sobre os símbolos que mal conheço, mas poderia te falar alguma coisa sobre os mantras-sementes.
- Sou muito interessado na história das línguas, na origem dos sons com que nos comunicamos.
- Então você conhece algo sobre as grandes raízes das linguagens... Vamos dizer que temos 3 grandes grupos: 1. o de cima-para-baixo, com o Chinês Antigo, germinando em Coreano, Japonês, Chinês Moderno, etc; 2. o da direita-para-esquerda, com o Hebraico Antigo, frutificando em Árabe, Aramaico, Hebraico, etc... e 3. o da esquerda-para-direita (o que pensamos ser o "normal"), com o suposto idioma Indo-Europeu, florescendo em Grego, Latim e Sânscrito - que foi a língua que mais se ateve a suas raízes, por razões especiais...
- Por causa dos rituais, como no Latim?
- Não só...
- Mas o Latim se degenerou em línguas, apesar da igreja.
- E aí nasceram Francês, Espanhol, Italiano, Português...
- Qual a razão então?
- Eu teria de contar uma história.... É breve.

[falamos sobre os gramáticos sânscritos, cujo saber Pânini tentou resumir numa grande obra, mas não conseguiu por conta própria, ao que orou aos deuses, obtendo a resposta de Shiva em 14 cajadadas, que são os 14 Shiva Sutras, 14 versos organizando todos os sons do Sânscrito, 14 sementes de onde germina toda a gramática da língua dos deuses]


- Bela História.
- Mais bela ainda é a razão de o Sânscrito ter preservado sua Fonética. Não só por começar por um tratado de fonética tão denso que dele surge toda a sua gramática. Nem só pelos rituais, em que o canto perfeito era necessário. Mas também pelo seu alfabeto devanagari, em que cada signo é também uma instrução de pronúncia.
- Sério?
- Posso te mostrar...

[desenho o primeiro verso para ele e desenvolvo o caminho sonoro do AUM]

- Olha, posso te convidar para um satsanga? Como disse, tocarei hoje num grupo de Siddha-Yoga, pois teremos kirtan & meditação. Você pode participar como músico ou consultor de pronúncia sânscrita e, depois, eu te deixo onde quiseres no centro de Los Angeles.
- Como eu poderia recusar?

[assim, por um dia, fui cantor de coral com direito a microfone, diretora e tudo o mais, além de comer prasada após dois dias de pizza e um de jejum e, de quebra, ainda conhecer uma funcionária da embaixada do Brasil em LA, organizadora de um projeto de ecologia entre Brasil e Estados Unidos]


Bênçãos demais para descrever aqui...
Chuva de flores que minhas mãos de palavras não catam de todo...
Deixe apenas dizer que apresentamos dois mantras, sendo o segundo:

OM NAMAH SHIVÁYA

[quando ele me deixava no Hotel no Centro em que estou hospedado]

- Richard, nós discordamos de uma coisa apenas, dentre tudo o que falamos...
- ?
- Você quer saber o que é?
- ?
- Você disse que era de uma tradição diferente de yoga.
- :-)

4 comentários:

felicidade clandestina disse...

Taim cantoreiro...
já que insistes em ler minhas escritas por aqui, direi o que me vêm à cabeça quando leio seus escritos (associação livre, como já diria o velho Freud):
Primeiramente acho incrível como gravas seus diálogos - tem certeza que não andas com um gravador portátil??
Segundamente, achei bem bonito esse seu encontro com o morador do deserto... e fiquei curiosa para saber como você entrou lá e virou diretor de coral!!?? poderias contar com mais detalhes essa experiência.
Terceiramente, te amo!
Beijos

ChToth disse...

Hare Krsna

Atitude certa
Momento certo
Conhecimento certo

Hare Krsna

Unknown disse...

Filho estamos juntos, floca e catita lendo voce neste momento
Incrivel como consegues lembrar com riqueza de detalhes todas as conversas. Eu me limito a prestar atenção para depois reproduzir os papos. Mas o que realmente me impressiona é a sua cultura. Lendo voce, parece que estamos viajando juntos, e como naõ estariamos juntos de vc?
Nós dois ( flocão e floca)
Te amamos muito.

dansai disse...

こんばんは

Belo depoimento, maravilhoso encontro! A distância não existe para aqueles que buscam a sabedoria. Estes se atraem, misturam-se e crescem.
Obrigado por compartilhar esta genuína vivência.
Ps.: Depois quero lições sobre como gravar diálogos sem o uso de um gravador portátil ;)))
abraços!