1-2 de Agosto de 2007
Gustavo
[ao celular, gaguejando contrariado, à minha frente na fila da imigração para os EUA]
- Pai, a fila está imensa...
[a uma oficial que organiza as filas]
- Por favor, esta fila dos visitantes está imensa e eu não sou visitante. Moro nos Estados Unidos.
- Você é residente permante?
- Eu moro nos Estados Unidos.
- Aquela fila é só para residentes permanentes.
- Meus pais quando vieram entraram por lá.
- Deixe-me ver o seu visto... Olhe, você não tem Green Card. Tem de ficar aqui mesmo.
[ao celular, gaguejando contrariado, ainda à minha frente na fila da imigração para os EUA]
- Pai, isso é um absurdo! Eu moro nos EUA.
[meia hora depois, a fila dos residentes permanentes havia quase terminado e, por isso, os oficiais convocam um grupo a partir de Gustavo para entrarem lá]
[eu digo a Gustavo]
- Viu? Bastou esperar um pouco e você virou residente permanente?
[ele sorri diante deste estranho atento]
- É verdade. Estou fazendo High School aqui e, embora vá voltar ao Brasil em breve, sou residente e não visitante.
- Por que você não faz faculdade aqui nos EUA?
- Tenho de voltar.
- Já decidiu o que fará?
- História, mas também penso em estudar Sociologia - queria fazer as duas coisas universidades.
- Por que você não faz História e deixa Sociologia para pós-graduação?
- Não tinha pensado nisso.
- História é o que mais me interessa, mas acho que deve ser difícil encontrar trabalho,
- Você se tornará professor. Posso te pôr em contato com alguns amigos que estudam História no Brasil.
- Quando voltat, estudarei no Colégio PH. As pessoas reclamam um pouco do método, mas acho que é sério.
- Estudei lá. Deixe reclamarem. O PH tem excelentes professores de História, que ficarão muito felizes em te orientar.
- Li que o Brasil está precisando de Cientistas Sociais - principalmente as ONGs, que estão crescendo lá.
- Bom, então você já tem trabalho garantido quando voltar ao Brasil.
- ?
- Trabalho justamente numa ONG de educação ecológica e um dos nossos projetos é re-conhecer a História sob a perspectiva das Árvores... A ONG se chama União da Árvore - One to Tree.
- Muito importante essa conscientização.
- Então agora você poderia agradecer a oficial que não te deixou entrar na fila de residentes permanentes naquela hora... Não só você acabou entrando na fila que desejava, como agora tem emprego garantido no Brasil. Se não fosse a oficial, talvez jamais estivéssemos conversando.
[Gustavo sorri concordando]
- Seu nome é: Carlos, muito prazer. E o seu?
- Gustavo.
Jogadora de Basketball
[irrequieta ao meu lado no avião de Atlanta para LA]
[vendo-a voltar a cabeça para trás repetidas vezes, pergunto]
- Você quer trocar de lugar?
- Não, está bem. A aeromoça já passou com os fones de ouvido?
- Você pode chamá-la por esse computador. Assim.
- Obrigada. Temos de comprar por dois dólares. Cada filme custa cinco dólares.
- Tirar um cochilo é de graça.
[tempos depois]
- Você quer uma bala?
- Agradeço.
[na aterrisagem, o avião levou 40 minutos para abrir as portas, e ficamos conversando depois que ela perguntou]
- Você é do Brasil?
- Como sabe?
- Sua mochila tem escrito.
- Sim, e você?
- Sou daqui, vim ver a família por uns dias.
- Morar longe da família tem pelo menos essa vantagem:
- ?
- Para visitá-los, tanto na ida quanto na volta você está sempre voltando para casa.
- :-)
- Você joga football?
- O brasileiro sim, o americano não.
- Eu jogo o americano e também basketball. Quero uma bolsa na faculdade.
- Vocês têm incríveis jogadores de basketball: gosto do Steve Nash.
- Ele é mesmo incrível.
- Quando joga, sabe exatamente o que ocorre em casa espaço da quadra. É um iogue do basket. Se você jogar como ele, tem bolsa garantida na faculdade.
- A NBA feminina está meio lenta. Prefiro a liga Universitária.
- É mesmo bem bonito o jogo nela. O dia aqui é que não está tão bonito - tudo branco, parece inverno nublado. [minha impaciência com o avião esqueceu da belelza dos invernos nublados] E está quente - gostaria de mergulhar no Oceano Pacífico.
- Você mergulha no Mar?
- Claro. Você não?
- Não. Tenho medo de tubarões?
- De fato não parecem muito amigáveis. Quando puderes, veja no youtube o vídeo Ashes & Snow, que fala sobre relações sem medo com os animais. Nós só estamos acostumados com cachorro e gato e, nesse filme, aparecem humanos amigos de baleias.
- Não tenho medo de baleias, só de tubarões. E adoro os golfinhos,
- Sabia que eles podem matar um tubarão.
- Por isso mesmo gosto deles.
-:-)
[finalmente abrem as portas]
- Você está esquecendo seus fones de ouvido. Terá de comprar de novo na volta?
- Obrigado. :-)
Moça de Landeu
[na saída do aeroporto de LA, ponto de ônibus, eu mais perdido que encontrado]
- Como faço para pegar a linha verde do metrô?
- Basta esperar o G-Bus (Green Bus), que vai para a linha verde. Também vou pegar esse ônibus. Você pode esperar comigo.
- Agradeço.
- Você é de onde?
- Rio de Janeiro, Brasil. E você?
- Landeu, uma cidadezinha bem pequena.
- E com um bonito nome.
- É verdade. Ouvi dizer que no Brasil uma de pele negra como eu é tratada diferentemente de uma pessoa de pele clara como você. Isso é verdade? Como é possível?
[a indignação dela toca meu coração, pois realmente é absurdo, respiro fundo]
- O Brasil tem um problema histórico com a desigualdade, que talvez seja mais de classe que de pele, pois a mistura étnica é geral. No Brasil alguns negros usam uma camisa com os dizeres "100% negro", você já viu?
- Não, mas posso imaginar.
[toca o celular da moça de Landeu. É sua mãe, mas ela não quer atender]
- Desculpe-me, minha mãe ainda acha que sou um bebê,
- As mães sempre acham. Existe até um ditado: "mãe é mãe, só muda de endereço".
- Pois bem, e a camisa?
- Se eu tivesse de fazer uma camisa para mim, teria de ser: "33% negro 33% branco 33% índio e 1% sabe Deus lá o quê..."
- :-)
- E o mais incrível é que também a pobreza não faz sentido no Brasil. Se você vir um abacateiro produzindo mais de uma tonelada por ano, perguntará a si mesma como é que pode haver fome num país com tantos recursos?
- Por que então há fome?
- Ignorância, medo, separatividade. Uma longa história: talvez tenhamos de voltar para a abolição da escravatura, quando os Políticos decretaram que os negros deixavam de ser escravos, mas esquecendo de decretar que eles passavam a ser cidadãos...
[conversamos sobre as Raízes do Brasil, sobre os portugueses que já tinham sangue africano quando chegaram ao Brasil para tentar escravizar os índios, que preferiam suicidar-se, e daí os lusíadas tiveram de importar africanos como hoje importamos máquinas]
[a mãe dela liga mais duas vezes, sem conseguir ser atendida]
- E como esse desafio será resolvido?
- Acredito que só quando cultivarmis a idéia de União.
[ela atende o telefonema da mãe quando desta quarta vez]
- :-)
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