Rio de Janeiro, 31/07/2007

"Pois não há sono no mundo" - explicava Fernando Pessoa em minha memória, ontem à noite, quando eu não dormia para poder abraçar Amma hoje pela manhã. Para não ir de mãos vazias, preparei as sementes de um cartão da "União da Árvore" (One to Tree), imaginando alguma oportunidade de deixá-las germinar nas mãos da Mãe. Passei a noite estudando as lições de Yogananda e as intercalando com tentativas de meditação, algumas abortadas em sono - ao que eu me surpreendia acordando repetidas vezes no chão, madrugada adentro.
De repente acordo de vez decidindo que já é hora.
Chego ao Intercontinental às 6h45 para ser o décimo da fila das senhas - que, uma hora depois, já tinha saído pela porta do Hotel, serpentando... A primeira colocada tinha chegado às 6h - além dela, havia dois casais, duas amigas e um grupo de 3 mulheres que conversavam sobre uma quarta amiga que viria mais tarde, pois queria tomar o café-da-manhã. Este mais tarde foi quando a fila já estava imensa, e a amiga veio conversar com o grupo bem à minha frente. Eu estava lendo e continuei a ler, mas já não podia me concentrar totalmente sabendo que muitos não tinham tomado o café-da-manhã para chegar cedo. Pensei em alguns amigos que viriam de Friburgo, que jamais me pediriam lugar na fila e que, se pedissem, me deixariam com vergonha.
Quando senti que a amiga veio, não para conversar, mas para ficar, respirei fundo para engolir palavras rudes de minha boca. Como ela estava de costas para mim, toquei nos ombros da amiga sua que me parecia mais simpática e perguntei:
- Sua amiga vai pegar senha também?
- Sim.
- Então não é melhor ela entrar logo no fim da fila?
Ela me olhou assustada e disse que eu estaria certo, se eles não fossem um grupo que veio de longe, de São Paulo, para abraçar a Amma. A amiga, porém (que ainda não me olhava), tinha vindo noutra condução... Eles eram um grupo!
- Mas aqui todos somos um grupo - eu disse, já com pena do argumento da amiga da amiga.
Ela então enfatizou que eu estava certo e, para me aliviar, ofereceu que eu fosse tomar café-da-manhã enquanto ela guardava meu lugar. Sorri desta justa tentação, agradeci, mas disse que estava bem. Ela e a filha saíram para tomar seu café, enquanto as 3 amigas restantes guardavam seu lugar.
Prefiro não interpretar muito o que se seguiu: foi elas saírem e ato-contínuo as portas se abriram para o primeiro grupo em busca de senhas, e as amigas ficaram sem poder entrar, pois tinham de aguardar as do café-da-manhã - e eu fui convidado a passar a sua frente.
Agora era minha vez:
- Prefiro esperar elas voltarem, pois pode ser que ainda cheguem a tempo. Caso não chegarem quando tivermos de entrar mesmo, então passarei, é claro.
Aqui senti que a amiga do café-da-manhã tinha ganhado seu primeiro abraço do dia...
Os meus viriam em enxurrada.
Passando, enfim, à frente, fiquei ao lado de um dos casais que já havia notado antes - pois me pareceu belo um casal de vinte e poucos anos se aventurar em conjunto a tamanho abraço. Como ele estava espirrando, ofereci cristais de gengibre que eu estava comendo - e logo conversávamos sobre "Autobiografia de Um Iogue", em que tanto ele como eu tínhamos pensado, para descrever a sensação de visitar uma pessoa santa: Yogananda desde criança ansiava por visitar seres tidos por santos ou sábios e, assim, sua autobiografia se tornou uma história da Índia em sua busca de união - inclusive a União com o Ocidente, para onde Yogananda acabou vindo, como precursor deste Abraço Mundial, junto a nomes como Swami Vivekananda e Prabhupada, para citar apenas dois bem conhecidos.
- E em que vocês trabalham?
- Somos pintores. Estudamos Belas Artes no Fundão (UFRJ). E estamos com uma exposição em alguns parques da cidade.
- Por acaso se interessam por Ecologia? - não sei de onde veio essa pergunta que fiz, ao que ele respondeu sem hesitar:
- Acabei de começar, por conta própria (entendi que isso significava "sem apoio financeiro"), um trabalho de artes com reciclagem, numa comunidade do Fundão que que há pouco tempo eu nem sabia que existia...
- Acho que as Artes Plásticas nas escolas poderiam ser re-conhecidas como Artes da Reciclagem - observei, e eles concordaram antes de perguntarem:
- E você, em que trabalha?
- Não sei se acreditam em acaso ou destino, mas sou presidente de uma ONG de Educação apoiando projetos como o de vocês.
Eles ficaram emocionados. Olhos brilhando. Entendi que o cartão que tinha preparado para Amma era para eles. Mais sementes para o projeto ADOTE UM PROFESSOR. E o meu segundo abraço.
O terceiro foi quando me sentei entre os 10 primeiros para esperar por Amma. A fila de cadeiras era dupla e eu estava na segunda linha (à minha frente, as 6 primeiras pessoas se haviam sentado). A cadeira a meu lado, porém, permanecia vaga, pois não havia mais ninguém entre os primeiros que tivesse vindo sozinho... Depois de meia hora encontram um homem de uns 50 anos, que apareceu sorrindo. Dou-lhe as boas vindas e, quando ele me mostra que sua senha é G1 e veio para o grupo A1, digo que ele teve sorte.
- Bom karma.
- Tivemos sorte - ele me responde com grifando em tom de abraço, acrescentando que uma organizadora lhe tinha chamado, depois outra tinha perguntado o que fazia ali com uma senha tão diferente... Até que a primeira acabou resgatando a bela oportunidade. Eu disse:
- Isso parece a projeção de uma guerra interna "mereço" X "não mereço" - e ele sorriu.
Depois do abraço de Amma, voltaria a encontrá-lo - e só pudemos nos abraçar. Seria o quinto abraço.
Meu quarto e principal não posso descrever de modo justo: após a meditação, meu queixo tremia e tinha de me esforçar muito para o manter sob controle. Pensava em pedir bênção para a viagem que farei amanhã para a Convocação Anual dos discípulos de Yogananda, em que receberei enfim uma tão buscada iniciação em Kriya Yoga... Pensava "bless my path to my guru diksha". Pensava em tantos... pais, irmãos, companheira, que gostaria que fossem abraçados todos no mesmo enlaço. Pensava em mãos abraçando a terra inteira. Ou em simplesmente revrenciar Amma pela beleza de sua vida ecoando sobre a nossa a certeza de como podemos ser belos, em todos os sentidos. Comprei uma guirlanda para oferecer - mas percebi que seria Amma a embelezar a pobre guirlanda, e não o contrário.
Minha respiração quase parada.
Abraço.
Mom, mom, mom, mom, mom, mom is hugging you. Meus ouvidos sentiram em meio a mantras.
Jai guru.
20 mães ou mais me abraçando
Recebo tonto uma bala e uma pétala como "prasada" = misericórdia.
Levanto e olho a platéia:
todos os rostos se fundiram em pontos de luz, um mesmo arco-íris.
Como caminhar?
Todos estão no mesmo abraço de Amma.
Tudo uma coisa só.
Tentei encontrar meus passos
e deparo com o sortudo da senha G1:
foi aí que tive de abraçá-lo.
Um comentário:
Para mim parece que estou vendo a Amma; realmente vi e senti...
Sou capaz de sentir também este abraço...
E emoção muito forte para falar mais alguma coisa... prefiro apenas sentir
Floca
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