
semente
No dia 22 de junho, não sei ou não me lembro por quê, deixei a seguinte mensagem-semente numa comunidade-orkut sobre Ecovilas, a qual se encontrava num interessante debate sobre Sistemas Educacionais:
"Sonho com um curriculum escolar que, em vez de jogar fora tudo o que o MEC aprova, realize a união entre as disciplinas tradicionais com o ponto de vista ecológico - a Ecologia servindo como solução para os dois grandes motivos de inércia da escola entre quatro paredes: 1. a falta de uma ponte para que as distintas áreas dialoguem entre si (e tudo pode ser visto pelo olhar ecológico); 2. a cobrança de prática, pés na terra, realização, como lastro para o que de fato aprendemos, em vez de decorar para o vestibular e esquecer no dia seguinte o que jamais entrou no coração. Então, poderíamos ter: Química com Alimentação Orgânica, Biologia com Etnobotânica, Física com Bioarquitetura, Matemática com Construção de Instrumentos Musicais, História com a História das Florestas... E continuarei sonhando com esta União da Árvore: www.uniaodaarvore.org.br"
muda
De repente, uma sucessão vertiginosa de fatos, como brotos e raízes de uma muda:
- Uma pessoa que leu a mensagem na comunidade ficou interessada no trabalho da União da Árvore e nos enviou um email;
- Respondemos, iniciando um diálogo sobre os 123 projetos;
- Ela se interessou pela Oficina de Ecopoesia;
- Surgiu a oportunidade de apresentar a Oficina no VIII ECEL: Encontro de Ciência Empírica em Letras;
- Enviamos a proposta de apresentação oral, mas foi negada;
- Talvez com pena de nossa loucura em apresentar Ecopoesia cientificamente, a organização propôs "que tal um pôster?";
- Como já tínhamos decidido voar, com ou sem pena, aceitamos;
- Mas como fazer um cartaz? Só sabíamos o tradicional de réguas, cola bastão e cartolina; seria engraçado, se não fosse trágico...
- A mesma pessoa que nos tinha contactado (devido à semente deixada nas Ecovilas), provavelmente um anjo disfarçado, se prontificou a ajudar;
- A organização do evento enviou as especificações acadêmicas: academicamente, seria preciso "introdução, objetivo, justificativa, metodologia, revisão de literatura, bibliografia, etc"
- Como não bater de frente com a burocracia, sem se vender a ela?
- Pegamos uma apresentação de Power Point usada noutro congresso e respondemos passo a passo, só que ecopoeticamente...
- O anjo disfarçado, de outro estado brasileiro, fez o milagre do pôster;
- Mas como imprimir algo de 2m X 1,5m para o dia seguinte, de preferência ecologicamente e sem gastar muito?
- Através do serviço de confecção de pôsters de um hospital, conseguimos quase 100 reais de desconto e um pôster gigante bastante ecológico para o dia seguinte
- E, além do desconto, quem nos conseguiu o contato pagou o pôster como doação.
- Logo, poemas doados por alunos num design doado numa impressão doada... Árvore generosa a EcoPoesia...
árvore
A apresentação do pôster será entre 11h20 e 11h50 da manhã, na Faculdade de Letras da UFRJ, Ilha do Fundão. Vejo isso na véspera, depois da meia-noite, quando consigo terminar os 123 assuntos do dia e pensar no amanhã: estou no Flamengo e imaginava que o Congresso seria na Urca; ledo engano da vontade ou da preguiça... Terei de acordar bem cedo.
Deitando às 2h, tento acordar 5h30, mas o corpo só responde às 7h. Medito. Arrumos as coisas. Decisões repentinas a tomar. Só posso sair de casa às 10h15m. Ainda bem que
meditei antes da enxurrada de portas que o dia já escancara.
Como estará o trânsito? Mais um milagre: trânsito divino e maravilhoso como o dia, no Rio de Janeiro, permitindo que em menos de meia hora eu chegue ao Fundão: tenho tempo até de fechar os olhos e respirar antes de sair do carro: "Se por um instante sequer Eu não realizasse as minhas ações, sem pausa, a humanidade inteiramente imitaria o Meu modo" -- ocorrem-me os versos da Bhagavad Gita (III: 23), a Canção do Divino Mestre, Krishna instruindo Árjuna sobre a ação correta. É o que me vêm ao pensamento, antes de abrir a porta do carro, em busca de estar à altura desta oportunidade: apresentar a Oficina de Ecopoesia a um tempo dinamizando e respeitando o meio acadêmico; falar com a pouca melodia de minha voz, mas com a harmonia presente da confiança doada por tantos semeadores...
Este é o andar do Encontro. Entro com o pôster que, mesmo enrolado, ainda tem 1,5m de altura enrolada. Há um largo estande de livroe com seu livreiro. Bato o olho e fixo o primeiro livro que vejo: "Ecolingüística". Capa verde e bela. Presságio? Coincidência? Acreditem se quiser, o que busco na Literatura já foi feito profundamente na Lingüística, sem que eu sequer cogitasse essa possibilidade. upreendo-me com minha (im)própria ignorância Tenho de comprar o livro: 58 reais e alguns centavos. Proponho brincando:
- 30% de desconto: 10 por ser professor + 10 por ser estudante + 10 por ser à vista?
O livreiro sorri e faz 6 reais de desconto. Mas só tenho 52 trocados. Ele aceita. O senhor aceita cartão? Mas ele diz que tem de receber em dinheiro por estes livros.
O livro tinha sido a primeira coisa que vi à direita. Quando pago e olho à esquerda, encontro um amigo que me encontra e que não encontrava há 1 ano e que não planejava encontrar, mas que sempre encontrei alegremente... Um jesuíta afro-brasileiro, cientista da literatura e pesquisador rigoroso, tão doce quanto inteligente.
- Doutor colega de metáforas? (digo algo assim)
- Você está rouco?
- Acho que não, apenas falo demais mesmo.
-:-)
Súbito vem uma simpática organizadora do congresso guiar-me à mesa de inscrições:
- Você já se inscreveu? Vai se inscrever?
- Acho que deveria, certo? Afinal, apresentarei este pôster.
Assino meu nome, mas, na iminênca de receber o material do congresso, percebo que só me restam 35 reais (a taxa de inscrição é 40), pois tive de comprar a Ecolingüística. O banco mais próximo não é próximo. Digo que prefiro deixar a pasta do congresso com eles e, quando conseguir o total, pago e só então recebo: assim seria mais justo.
Desço a tomar um suco com o jesuíta amigo, que escolheu não se inscrever formalmente e que agora escolhe cupuaçu. Decidi simplesmente suco de laranja. Saúde. Ele me diz que veio assistir à palestra de uma professora alemã e que também não teve dinheiro para a incrição; por coincidência, também tinha comprado um livro -- só que pagou no cartão de crédito... algo que eu poderia fazer, se quisesse ficar com dinheiro em espécie: bastaria ir com o livreiro à loja central e fazer a troca de papel-moeda por redeshop. Que horas são? Temos de voltar rápido ao lugar do Encontro. Hora de pendurar os pôsters:
- Você não recebeu as especificações?
- Sim, recebi.
- Mas o seu passou muito os limites...
- Dois por um e meio.
- Esse era o espaço total de exposição - o do cartaz tinha de ser menor.
- Não sabia, isso não estava nada claro.
- Não há problema: podemos pendurar na parede.
- Ótimo, assim chama mais à atenção :-)
O pôster era quase o dobro do tamanho dos demais e, com algumas ilustrações de posturas de yoga, quase apagava o interesse pelos arredores. Teria sido uma covardia se não tivesse sido o destino. O querido pesquisador-jesuíta e eu conversamos com outra expositora, que tratava de relações étnicas em literatura, a partir do filme "A Cor Púrpura". Ela tem a pasta do congresso, que peço para ver, constatando que todo o material lá dentro está disponível na Internet -- o que me dá um grande alívio por não ter gastado mais 40 reais, feitos de papel, com papéis que acabariam na reciclagem.
Já é hora de começar? Convido meu amigo a ser a primeira vítima desta espécie de "Feira de Ciências" de gente grande, não tão grande, no corredor da Faculdade de Letras da UFRJ; os demais expositores se juntam e, no movimento, mais 5 vem na correnteza. Já são umas 10 vontades curiosas com a "Oficina de Ecopoesia". Penso na força de todos os anjos semeadores. E digo................
Já estou terminando o segundo ciclo da apresentação com uns e começando o teceiro com outros quando a professora alemã (à qual meu amigo viera assistir e que faria uma comunicação em seguida) se empolga com o pôster e decide chamar seus colegas, buscando-os pessoalmente de dentro da sala principal de apresentações. Volta com sua orientanda, entre outros, que me fazem sorrir ao entrar instantânea e completamente no sespírito da Oficina, apontando, quais crianças satisfeitas, os nomes ecopoéticos na bibliografia: CAPRA! MATURANA! BACHELARD!
É hora da apresentação da professora alemã, a que agora também quero assistir: sento-me ao lado de sua orientanda. Deixei o cartaz entregue aos ventos do corredor. Assisto. Sugere-nos uma nova história da literatura, através de uma nova didática, movida pela alegria e não pela obrigação. Nicolau Copérnico - exemplifica -- decidiu estudar o sol porque o amava, não porque foi obrigado.
Só posso sorrir.
Distribuem-se números. Pergunto à orientanda da professora alemã: será um sorteio? Ela não sabe, cogitando, enquanto segura dois números nas mãos. Se for um sorteio -- digo eu -- pode escolher o teu número preferido dentre esses dois. Ela faz que não se importa muito e me dá o outro.
Por gentileza, acredite: o primeiro número chamado é o meu - para o desespero da orientanda que mo dera agorinha! Dia de bom karma? Belo livro, da série REDES, sempre lidando com uma coisa & outra, sendo este & a justa ponte, o meio, a rede... A União da Árvore não se apresentaria diferentemente.
Saio da sala, findo o sorteio, e vejo o anúncio de outro livro da série REDES: "Pontes & Transgressões". "Esse deve ser interessante!" -- penso exclamativamente, encontrando o livreiro bem à minha frente. Aproveito para pensar em voz alta:
- O senhor teria o livro "Pontes & Transgressões"?
- Tenho sim, está lá na loja central, e vou te dar de cortesia.
- Como?
- Você queria ter pagado com o cartão, e eu não pude te oferecer isso. Então, gostaria de te dar esse de presente. Só não posso pegar agora, pois está na loja e não nesse estande.
- :-)
Também sem palavras, meu amigo jesuíta me olha: concluímos que a orientanda da professora alemã poderá pegar o livro e me entregar depois. Busco-a num restaurante do Campus e lhe falo: ela sorri muitíssimo feliz, pois digo que assim ela poderá ficar com este novo livro o tempo que quiser, como se ela mesma o tivera ganhado, repassando-me depois.
Já de saída, pôster enrolado como lança, encontro por acaso (será?) minha orientadora de 91 anos, Professora Cleonice Berardinelli e dama da Língua Portuguesa. Ela leciona às quintas na UFRJ e hoje é quinta. Vendo-me com o cartaz em riste, pergunta:
- Que fazes aqui com isto?
Meu amigo ao lado de mim sustenta a metáfora:
- Vim servir de Dom Quixote, daí esta lança e este é meu amigo Sancho Pança.
- :-)
Despedindo-me de Cleonice, lembro-me de que não fotografei nada para enviar aos anjos que não puderam estar de asas presentes... Compro outro suco de laranja e fotografo, enfim, o pôster enrolado mesmo, ao lado do copo 500mL, este servindo de parâmetro, para que todos possam ver como uma sementinha faz um pôster deste porte...
Pôster vivo, estendendo seus galhos-postagens como uma Idéia de Árvore feliz.
Um comentário:
Salve transgressor de pontes!
Teu livro está em minhas mãos. Sem desespero (!). E agora? Envio por abelhas, ou por formigas?
Beijo da,
"orientanda da professora alemã"
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