2007-08-09

Encontro Marcado

Los Angeles, 7 de agosto de 2007



[água na boca, literalmente, caminhando rumo ao shuttle que leva do Bonaventure ao Ritz Hotel, isto é, do local da Convocação para cama]

[uma mulher pergunta a uma outra enquanto passo entre elas]

- Onde fica a Figueroas Stree?

[eu no meio, já atrapalhando de boca cheia d'água, tento ajudar com o dedo]

- [ali, tento dizer apontando e engolindo] [peço calma, para terminar o gole]
- Temos de pegar o shuttle.

[finalmente digo]

- Eu também. Sabia que havia uma razão para eu vir por aqui, pois estava quase indo pelo outro lado do hotel, quandodn decidi voltar, não sabia bem por aqui - e agora posso mostrar a vocês o caminho.

[a mulher é bem loira e está com uma criança de uns 10 anos que tem pele cor de oliva, bem indiana; a mulher me pergunta]

- Como você veio até aqui?
- Aqui ao Hotel ou aqui à Self Realization Felowship? Se foi ao Hotel, vim do Rio de Janeiro, Brasil
- Aqui a Self, quis dizer.
- Uma longa história: afastei-me do Cristianismo em que cresci, para, através da Poesia chegar à Bhagavad Gita e, através da Gita, de volta ao Cristianismo, o mesmo mas completamente diferente, pois meus olhos haviam mudado...
- A história de uma vida.
- Sim, mas posso contar um fato, para não ficar tão abstrato: estava eu na Universidade, assistindo a uma aula de Filosofia totalmente entediante... apenas especulação sobre especulação, sem nenhuma proposta prática. Então, já sem fôlego, volto-me para trás para suspirar de impaciência, quando vejo bem atrás de mim, um careca sorridente lendo Dom Quixote, no meio da sala, sem se importar nada com a chatice que ocorrie. Pois bem: era um Kriyaban, discípulo de Yogananda.
- Que bela história.
- E você, como o Mestre te pescou?
- Havia me mudado para perto de Encinitas e já tinha lido a Autobiografia de um Iogue, mas simplesmente não acreditava em nada, pois não podia admitir ninguém me guiando até Deus. Um belo dia, eu estava realmente precisando de um lugar para morar e, através de uma amiga, marquei um encontro com uma possível companheira de quarto, em frente ao templo de Encinitas. Pis bem: a pessoa não aparecia e estava começando a ficar tarde e frio... E justamente ia começar um serviço inspirativo no templo. Achei melhor entrar, mesmo pensando que tudo aquilo não servia para mim. Quem guiava o serviço era o Irmão Santoshananda. Sabes o que Santosha significa?
- Sim, contentamento.
- Sim, e também alegria. Então, entrei cética e... simplesmente foi a hora mais inspiradora que tive até então em toda a minha vida. Saí completamente rendida ao Mestre. A pessoa do encontro jamais apareceu, mas encontrei Yogananda em vez dela.
- Talvez esse tenha siso o verdadeiro encontro marcado.

Gulab Jamum

Los Angeles,
6 de Agosto de 2007



[eu grunhindo de deleite com a sobremesa indiana Gulab Jamum, jogado na grama da SRF Mother Center, durante a visita de peregrinação - ao que chamo a atenção de um indiano]

- Repetindo a sobremesa?
- :-P Tenho de confessar. Está deliciosa. Hummm. E Gulab Jamum é a minha favorita!
- ...
- nham nham nham
- Vejo que você está realmente aproveitando...
- Prasada [comida indiana oferecida em ritual] é divina e maravillhosa.
- Assim é que se devia comer sempre. Não apenas engolir, preocupado com outra coisa. Sentir a graça e a alegria divina do alimento.

[meu interlocutor súbito se levanta para apanhar um guardanapo desgarrado que grudou no seu pé, e que eu já tinha visto]

[neste momento eu acabava a última garfada e, portanto, me adiantei a pegar o guardanapo desgarrado]

- Deixe comigo. Também tenho este prato para descartar.
- Grato. Gentileza sua.

[o indiano parte, mas logo depois nos reencontramos; eu digo]

- Você se lembra dos yoga-sutras?
- Sim.
- Há um verso do Sádhana-Pada que sempre me ocorre com a prasada: "amizade com a alegria, compaixão pela tristeza, deleite com o sagrado..." Quando consideramos a comida sagrada, é fácil se deleitar.
- Muito prazer.
- Foi meu.

2007-08-07

Alegria

Los Angeles, 5 de Agosto de 2007.


[sentado esperando abrirem a sala de vídeo]

[abro uma garrafinha com suco de laranja]

[mulher ao meu lado abre uma garrafinha com um suco verde]

[eu digo]

- Um brinde...
- :-) De onde você é?
- Do Brasil.
- Adoro o seu sotaque brasileiro. E aposto que as moças também.
- :-) Minha namorada gosta, e para mim já é o suficiente.
- :-)
- Quando tinha dezoito anos, namorei um mexicano que sabia algumas músicas em português e cantava para mim... eu simplesmente adorava.
- Posso cantar uma para você.
- Sério?
- Claro, mas escolha uma palavra antes.
_ ... Alegria.
- "Caminhando contra o vento, sem lenço sem documento, num sol de quase em dezembro... eu vou! O sol se reparte em crimes, espaçonaves, guerrilhas e em cardinales bonitas... Eu vou!"
- :-D

2007-08-04

Richard

4 de Agosto de 2007,
Los Angeles

[correndo atrás de um carro que sai da Sede-Mãe da SRF em Los Angeles]
[o carro pára e o motorista abre a janela]

- Você por acaso vai para o Centro?

- Hummm. Posso ir.
- Não te atrapalha o caminho?
- Não, moro no deserto a duas horas de qualquer lugar, inclusive do centro.
- Ok. Agradeço muito a carona.
- Sou músico e tenho um ensaio mais a tarde, mas acho que dá tempo.
- Também sou ou fui músico: toco violão/guitarra e já toquei piano. Você, o que toca?
- Toquei piano e hoje toco harmônio - está aí atrás.
- O que você fazia na Sede-Mãe da Self Realization Felowship?
- Sou de uma tradição diferente de yoga, mas digamos que gosto de ler os livros de Yogananda na biblioteca de Yogananda.
- :-)
- De onde você é? Francês?
- Não, brasileiro.
- Estive no Rio de Janeiro uma vez, entrei de barco pela Baía de Guanabara.
- A mistura de Los Angeles me faz sentir em casa.
- Realmente se querias mistura vieste ao lugar certo. É uma pena que a mistura no Brasil se dê com violência entre as favelas e as zonas ricas.
- Uma mistura que não quer misturar mas que já misturou...
- O problema da pobreza.
- Na verdade, utilizamos tão pouco a capacidade infinita da natureza, que nem sei se podemos falar em pobreza - talvez só pobreza de espírito, que devasta o que ignora.
- Em que você trabalha?
- Trabalho numa ONG de Educação Ecológica, mas também estudo Literatura e Sânscrito.
- Então és um acadêmico [scholar]?
- Quanto mais estudo, apenas aprendo o tamanho da minha ignorância. Eu seria mais um devoto acadêmico... devotado a saber cada vez mais que nada sabe...
- Você se interessa pelos mantras dos chacras? Tenho uma música aqui sobre isso...

[ouvimos uma canção evocando os inúmeros aspectos do símbolo de cada chacra]

- Bela canção. Não poderia te dizer muito sobre os símbolos que mal conheço, mas poderia te falar alguma coisa sobre os mantras-sementes.
- Sou muito interessado na história das línguas, na origem dos sons com que nos comunicamos.
- Então você conhece algo sobre as grandes raízes das linguagens... Vamos dizer que temos 3 grandes grupos: 1. o de cima-para-baixo, com o Chinês Antigo, germinando em Coreano, Japonês, Chinês Moderno, etc; 2. o da direita-para-esquerda, com o Hebraico Antigo, frutificando em Árabe, Aramaico, Hebraico, etc... e 3. o da esquerda-para-direita (o que pensamos ser o "normal"), com o suposto idioma Indo-Europeu, florescendo em Grego, Latim e Sânscrito - que foi a língua que mais se ateve a suas raízes, por razões especiais...
- Por causa dos rituais, como no Latim?
- Não só...
- Mas o Latim se degenerou em línguas, apesar da igreja.
- E aí nasceram Francês, Espanhol, Italiano, Português...
- Qual a razão então?
- Eu teria de contar uma história.... É breve.

[falamos sobre os gramáticos sânscritos, cujo saber Pânini tentou resumir numa grande obra, mas não conseguiu por conta própria, ao que orou aos deuses, obtendo a resposta de Shiva em 14 cajadadas, que são os 14 Shiva Sutras, 14 versos organizando todos os sons do Sânscrito, 14 sementes de onde germina toda a gramática da língua dos deuses]


- Bela História.
- Mais bela ainda é a razão de o Sânscrito ter preservado sua Fonética. Não só por começar por um tratado de fonética tão denso que dele surge toda a sua gramática. Nem só pelos rituais, em que o canto perfeito era necessário. Mas também pelo seu alfabeto devanagari, em que cada signo é também uma instrução de pronúncia.
- Sério?
- Posso te mostrar...

[desenho o primeiro verso para ele e desenvolvo o caminho sonoro do AUM]

- Olha, posso te convidar para um satsanga? Como disse, tocarei hoje num grupo de Siddha-Yoga, pois teremos kirtan & meditação. Você pode participar como músico ou consultor de pronúncia sânscrita e, depois, eu te deixo onde quiseres no centro de Los Angeles.
- Como eu poderia recusar?

[assim, por um dia, fui cantor de coral com direito a microfone, diretora e tudo o mais, além de comer prasada após dois dias de pizza e um de jejum e, de quebra, ainda conhecer uma funcionária da embaixada do Brasil em LA, organizadora de um projeto de ecologia entre Brasil e Estados Unidos]


Bênçãos demais para descrever aqui...
Chuva de flores que minhas mãos de palavras não catam de todo...
Deixe apenas dizer que apresentamos dois mantras, sendo o segundo:

OM NAMAH SHIVÁYA

[quando ele me deixava no Hotel no Centro em que estou hospedado]

- Richard, nós discordamos de uma coisa apenas, dentre tudo o que falamos...
- ?
- Você quer saber o que é?
- ?
- Você disse que era de uma tradição diferente de yoga.
- :-)

Josh

3 de Agosto de 2007
Los Angeles


[linha vermelha do metrô, procuro a estação da Universal Studios, um homem afastado está irrequieto com alguma coisa e a mulher ao meu lado o chama oferecendo uma caneta, que ele aceita sorrindo, ao que me dirijo à mulher]

- Vocês estava realmente atenta.
- :-)
- Já que entendi que você sabe tudo o que acontece ao redor, deixe-me perguntar qual a parada da Universal Studios...
[ela franze a testa, um rapaz ao nosso lado, negro e alegre como a mulher, é quem responde]
- Universal City.
- Claro, com esse nome.
[ele é quem assume a conversa]
- De onde você é?
- Do Brasil. Rio de Janeiro. E você?
- De uma cidadezinha, quieta demais para mim.
- :-) Então você gosta daqui?
- Amo aqui, e você?
- Gosto muito da alegria que a mistura traz: numa esquina ouvimos Inglês, na outra, Espanhol e na terceira, Chinês. O povo é muito vivo e isso contrasta com a magnitude da arquitetura, que por vezes esmaga e nos faz sentir sozinhos. É tudo tão grande que parece que estamos sozinhos andando na rua, principalemte de noite.
- Não ande de noite sozinho por essas ruas, irmão.
- Fique tranqüilo, no Rio de Janeiro não é muito diferente. Na verdade, sinto-me quase em casa aqui.
- O que você veio fazer aqui?
- Na verdade, vim para uma convocação mundial de Yoga. Você já ouviu falar de Paramahanda Yogananda?
- Não.
- Foi um dos yoguis que veio do Oriente tentar fazer a ponte com o Ocidente. Se quiseres saber essa história, ele escreveu sua Autobiografia - "Autobiografia de um Iogue".
- Interessante. Mas o que é que você está fazendo na Universal Studios?
- Boa pergunta. Já terei tantos dias dedicados ao Oriente, que decretei esse dia como dia do Ocidente.
- :-)
- Além disso, como ninguém é de ferro, vim ver o Bob Esponja.
- :-D Não sabia que vocês conheciam o Bob Esponja no Brasil.
- :-) E você, o que estuda?
- Trabalho e estudo juntos, irmão, não deu certo para mim. Quero voltar a estudar para conseguir um emprego melhor. Voltarei para minha cidadezinha para me dedicar a isso.
- Ótimo. E o que queres estudar?
- Psicologia.
- Que bom! Minha namorada está se formando em Psicologia; e tenh alguns amigos Psicólogos. Posso deixar o cartão de um deles contigo, para te orientar nessa busca.
- Nossa, muito obrigado.
- Na universidade, não perca a oportunidade de intercâmbio, que para os americanos é muito facilitado. Quem sabe assim você não pára no Brasil?
- :-) E no Brasil como está a questão racial?
- Longa História, irmão. Talvez seja melhor falarmos de como podemos superá-la. Você já viu o filme "Freedom Song"?
- Acho que sim.
- Com Danny Glover, sobre a luta dos negros norte-americanos no Mississipi.
- Sim, tenho de rever.
- Pois bem, infliuenciados por Gandhi, lutaram de modo não-violento e conseguiram vitórias belíssimas. Quando você puder rever, repare nos livros que o protagonista lê na cadeia: A Náusea, do Sartres; a Peste, do Camus; e a Autobiografia de um Yogui, do Paramanhansa Yogananda.
- É mesmo? Não tinha reparado.
- Como está o trabalho?
- Agora consegui trabalho como modelo, pela primeira vez. Um pouco estranho, mas lucrativo.
- Todo trabalho pode ser bom, se soubermos aproveitar a aprendizagem. Fique de olho em propostas de ropuas ecológicas - é uma área que está crescendo no mundo e, quem sabe, você não acaba trabalhando com a ONG One to Tree, em que eu também trabalho.
- Seria ótimo. Ficarei ligado em ecologia.
- Aqui está o cartão da ONG, com email e site.
- Girassóis?
- Sim, para começar a plantar já.

[chega minha estação]

- Como você se chama, irmão?
- Josh, muito prazer. E você?

2007-08-03

Gustavo, Jogadora & Landeu

Rio de Janeiro -Los Angeles,
1-2 de Agosto de 2007



Gustavo

[ao celular, gaguejando contrariado, à minha frente na fila da imigração para os EUA]
- Pai, a fila está imensa...

[a uma oficial que organiza as filas]
- Por favor, esta fila dos visitantes está imensa e eu não sou visitante. Moro nos Estados Unidos.
- Você é residente permante?
- Eu moro nos Estados Unidos.
- Aquela fila é só para residentes permanentes.
- Meus pais quando vieram entraram por lá.
- Deixe-me ver o seu visto... Olhe, você não tem Green Card. Tem de ficar aqui mesmo.

[ao celular, gaguejando contrariado, ainda à minha frente na fila da imigração para os EUA]
- Pai, isso é um absurdo! Eu moro nos EUA.

[meia hora depois, a fila dos residentes permanentes havia quase terminado e, por isso, os oficiais convocam um grupo a partir de Gustavo para entrarem lá]

[eu digo a Gustavo]
- Viu? Bastou esperar um pouco e você virou residente permanente?

[ele sorri diante deste estranho atento]
- É verdade. Estou fazendo High School aqui e, embora vá voltar ao Brasil em breve, sou residente e não visitante.
- Por que você não faz faculdade aqui nos EUA?
- Tenho de voltar.
- Já decidiu o que fará?
- História, mas também penso em estudar Sociologia - queria fazer as duas coisas universidades.
- Por que você não faz História e deixa Sociologia para pós-graduação?
- Não tinha pensado nisso.
- História é o que mais me interessa, mas acho que deve ser difícil encontrar trabalho,
- Você se tornará professor. Posso te pôr em contato com alguns amigos que estudam História no Brasil.
- Quando voltat, estudarei no Colégio PH. As pessoas reclamam um pouco do método, mas acho que é sério.
- Estudei lá. Deixe reclamarem. O PH tem excelentes professores de História, que ficarão muito felizes em te orientar.
- Li que o Brasil está precisando de Cientistas Sociais - principalmente as ONGs, que estão crescendo lá.
- Bom, então você já tem trabalho garantido quando voltar ao Brasil.
- ?
- Trabalho justamente numa ONG de educação ecológica e um dos nossos projetos é re-conhecer a História sob a perspectiva das Árvores... A ONG se chama União da Árvore - One to Tree.
- Muito importante essa conscientização.
- Então agora você poderia agradecer a oficial que não te deixou entrar na fila de residentes permanentes naquela hora... Não só você acabou entrando na fila que desejava, como agora tem emprego garantido no Brasil. Se não fosse a oficial, talvez jamais estivéssemos conversando.
[Gustavo sorri concordando]
- Seu nome é: Carlos, muito prazer. E o seu?
- Gustavo.



Jogadora de Basketball

[irrequieta ao meu lado no avião de Atlanta para LA]

[vendo-a voltar a cabeça para trás repetidas vezes, pergunto]
- Você quer trocar de lugar?
- Não, está bem. A aeromoça já passou com os fones de ouvido?
- Você pode chamá-la por esse computador. Assim.
- Obrigada. Temos de comprar por dois dólares. Cada filme custa cinco dólares.
- Tirar um cochilo é de graça.
[tempos depois]
- Você quer uma bala?
- Agradeço.
[na aterrisagem, o avião levou 40 minutos para abrir as portas, e ficamos conversando depois que ela perguntou]
- Você é do Brasil?
- Como sabe?
- Sua mochila tem escrito.
- Sim, e você?
- Sou daqui, vim ver a família por uns dias.
- Morar longe da família tem pelo menos essa vantagem:
- ?
- Para visitá-los, tanto na ida quanto na volta você está sempre voltando para casa.
- :-)
- Você joga football?
- O brasileiro sim, o americano não.
- Eu jogo o americano e também basketball. Quero uma bolsa na faculdade.
- Vocês têm incríveis jogadores de basketball: gosto do Steve Nash.
- Ele é mesmo incrível.
- Quando joga, sabe exatamente o que ocorre em casa espaço da quadra. É um iogue do basket. Se você jogar como ele, tem bolsa garantida na faculdade.
- A NBA feminina está meio lenta. Prefiro a liga Universitária.
- É mesmo bem bonito o jogo nela. O dia aqui é que não está tão bonito - tudo branco, parece inverno nublado. [minha impaciência com o avião esqueceu da belelza dos invernos nublados] E está quente - gostaria de mergulhar no Oceano Pacífico.
- Você mergulha no Mar?
- Claro. Você não?
- Não. Tenho medo de tubarões?
- De fato não parecem muito amigáveis. Quando puderes, veja no youtube o vídeo Ashes & Snow, que fala sobre relações sem medo com os animais. Nós só estamos acostumados com cachorro e gato e, nesse filme, aparecem humanos amigos de baleias.
- Não tenho medo de baleias, só de tubarões. E adoro os golfinhos,
- Sabia que eles podem matar um tubarão.
- Por isso mesmo gosto deles.
-:-)
[finalmente abrem as portas]
- Você está esquecendo seus fones de ouvido. Terá de comprar de novo na volta?
- Obrigado. :-)



Moça de Landeu
[na saída do aeroporto de LA, ponto de ônibus, eu mais perdido que encontrado]
- Como faço para pegar a linha verde do metrô?
- Basta esperar o G-Bus (Green Bus), que vai para a linha verde. Também vou pegar esse ônibus. Você pode esperar comigo.
- Agradeço.
- Você é de onde?
- Rio de Janeiro, Brasil. E você?
- Landeu, uma cidadezinha bem pequena.
- E com um bonito nome.
- É verdade. Ouvi dizer que no Brasil uma de pele negra como eu é tratada diferentemente de uma pessoa de pele clara como você. Isso é verdade? Como é possível?
[a indignação dela toca meu coração, pois realmente é absurdo, respiro fundo]
- O Brasil tem um problema histórico com a desigualdade, que talvez seja mais de classe que de pele, pois a mistura étnica é geral. No Brasil alguns negros usam uma camisa com os dizeres "100% negro", você já viu?
- Não, mas posso imaginar.
[toca o celular da moça de Landeu. É sua mãe, mas ela não quer atender]
- Desculpe-me, minha mãe ainda acha que sou um bebê,
- As mães sempre acham. Existe até um ditado: "mãe é mãe, só muda de endereço".
- Pois bem, e a camisa?
- Se eu tivesse de fazer uma camisa para mim, teria de ser: "33% negro 33% branco 33% índio e 1% sabe Deus lá o quê..."
- :-)
- E o mais incrível é que também a pobreza não faz sentido no Brasil. Se você vir um abacateiro produzindo mais de uma tonelada por ano, perguntará a si mesma como é que pode haver fome num país com tantos recursos?
- Por que então há fome?
- Ignorância, medo, separatividade. Uma longa história: talvez tenhamos de voltar para a abolição da escravatura, quando os Políticos decretaram que os negros deixavam de ser escravos, mas esquecendo de decretar que eles passavam a ser cidadãos...
[conversamos sobre as Raízes do Brasil, sobre os portugueses que já tinham sangue africano quando chegaram ao Brasil para tentar escravizar os índios, que preferiam suicidar-se, e daí os lusíadas tiveram de importar africanos como hoje importamos máquinas]
[a mãe dela liga mais duas vezes, sem conseguir ser atendida]
- E como esse desafio será resolvido?
- Acredito que só quando cultivarmis a idéia de União.
[ela atende o telefonema da mãe quando desta quarta vez]
- :-)

2007-07-31

Amma

Rio de Janeiro, 31/07/2007


"Pois não há sono no mundo" - explicava Fernando Pessoa em minha memória, ontem à noite, quando eu não dormia para poder abraçar Amma hoje pela manhã. Para não ir de mãos vazias, preparei as sementes de um cartão da "União da Árvore" (One to Tree), imaginando alguma oportunidade de deixá-las germinar nas mãos da Mãe. Passei a noite estudando as lições de Yogananda e as intercalando com tentativas de meditação, algumas abortadas em sono - ao que eu me surpreendia acordando repetidas vezes no chão, madrugada adentro.

De repente acordo de vez decidindo que já é hora.

Chego ao Intercontinental às 6h45 para ser o décimo da fila das senhas - que, uma hora depois, já tinha saído pela porta do Hotel, serpentando... A primeira colocada tinha chegado às 6h - além dela, havia dois casais, duas amigas e um grupo de 3 mulheres que conversavam sobre uma quarta amiga que viria mais tarde, pois queria tomar o café-da-manhã. Este mais tarde foi quando a fila já estava imensa, e a amiga veio conversar com o grupo bem à minha frente. Eu estava lendo e continuei a ler, mas já não podia me concentrar totalmente sabendo que muitos não tinham tomado o café-da-manhã para chegar cedo. Pensei em alguns amigos que viriam de Friburgo, que jamais me pediriam lugar na fila e que, se pedissem, me deixariam com vergonha.

Quando senti que a amiga veio, não para conversar, mas para ficar, respirei fundo para engolir palavras rudes de minha boca. Como ela estava de costas para mim, toquei nos ombros da amiga sua que me parecia mais simpática e perguntei:
- Sua amiga vai pegar senha também?
- Sim.
- Então não é melhor ela entrar logo no fim da fila?

Ela me olhou assustada e disse que eu estaria certo, se eles não fossem um grupo que veio de longe, de São Paulo, para abraçar a Amma. A amiga, porém (que ainda não me olhava), tinha vindo noutra condução... Eles eram um grupo!
- Mas aqui todos somos um grupo - eu disse, já com pena do argumento da amiga da amiga.
Ela então enfatizou que eu estava certo e, para me aliviar, ofereceu que eu fosse tomar café-da-manhã enquanto ela guardava meu lugar. Sorri desta justa tentação, agradeci, mas disse que estava bem. Ela e a filha saíram para tomar seu café, enquanto as 3 amigas restantes guardavam seu lugar.

Prefiro não interpretar muito o que se seguiu: foi elas saírem e ato-contínuo as portas se abriram para o primeiro grupo em busca de senhas, e as amigas ficaram sem poder entrar, pois tinham de aguardar as do café-da-manhã - e eu fui convidado a passar a sua frente.
Agora era minha vez:
- Prefiro esperar elas voltarem, pois pode ser que ainda cheguem a tempo. Caso não chegarem quando tivermos de entrar mesmo, então passarei, é claro.
Aqui senti que a amiga do café-da-manhã tinha ganhado seu primeiro abraço do dia...

Os meus viriam em enxurrada.
Passando, enfim, à frente, fiquei ao lado de um dos casais que já havia notado antes - pois me pareceu belo um casal de vinte e poucos anos se aventurar em conjunto a tamanho abraço. Como ele estava espirrando, ofereci cristais de gengibre que eu estava comendo - e logo conversávamos sobre "Autobiografia de Um Iogue", em que tanto ele como eu tínhamos pensado, para descrever a sensação de visitar uma pessoa santa: Yogananda desde criança ansiava por visitar seres tidos por santos ou sábios e, assim, sua autobiografia se tornou uma história da Índia em sua busca de união - inclusive a União com o Ocidente, para onde Yogananda acabou vindo, como precursor deste Abraço Mundial, junto a nomes como Swami Vivekananda e Prabhupada, para citar apenas dois bem conhecidos.

- E em que vocês trabalham?
- Somos pintores. Estudamos Belas Artes no Fundão (UFRJ). E estamos com uma exposição em alguns parques da cidade.
- Por acaso se interessam por Ecologia? - não sei de onde veio essa pergunta que fiz, ao que ele respondeu sem hesitar:
- Acabei de começar, por conta própria (entendi que isso significava "sem apoio financeiro"), um trabalho de artes com reciclagem, numa comunidade do Fundão que que há pouco tempo eu nem sabia que existia...
- Acho que as Artes Plásticas nas escolas poderiam ser re-conhecidas como Artes da Reciclagem - observei, e eles concordaram antes de perguntarem:
- E você, em que trabalha?
- Não sei se acreditam em acaso ou destino, mas sou presidente de uma ONG de Educação apoiando projetos como o de vocês.
Eles ficaram emocionados. Olhos brilhando. Entendi que o cartão que tinha preparado para Amma era para eles. Mais sementes para o projeto ADOTE UM PROFESSOR. E o meu segundo abraço.

O terceiro foi quando me sentei entre os 10 primeiros para esperar por Amma. A fila de cadeiras era dupla e eu estava na segunda linha (à minha frente, as 6 primeiras pessoas se haviam sentado). A cadeira a meu lado, porém, permanecia vaga, pois não havia mais ninguém entre os primeiros que tivesse vindo sozinho... Depois de meia hora encontram um homem de uns 50 anos, que apareceu sorrindo. Dou-lhe as boas vindas e, quando ele me mostra que sua senha é G1 e veio para o grupo A1, digo que ele teve sorte.
- Bom karma.
- Tivemos sorte - ele me responde com grifando em tom de abraço, acrescentando que uma organizadora lhe tinha chamado, depois outra tinha perguntado o que fazia ali com uma senha tão diferente... Até que a primeira acabou resgatando a bela oportunidade. Eu disse:
- Isso parece a projeção de uma guerra interna "mereço" X "não mereço" - e ele sorriu.
Depois do abraço de Amma, voltaria a encontrá-lo - e só pudemos nos abraçar. Seria o quinto abraço.

Meu quarto e principal não posso descrever de modo justo: após a meditação, meu queixo tremia e tinha de me esforçar muito para o manter sob controle. Pensava em pedir bênção para a viagem que farei amanhã para a Convocação Anual dos discípulos de Yogananda, em que receberei enfim uma tão buscada iniciação em Kriya Yoga... Pensava "bless my path to my guru diksha". Pensava em tantos... pais, irmãos, companheira, que gostaria que fossem abraçados todos no mesmo enlaço. Pensava em mãos abraçando a terra inteira. Ou em simplesmente revrenciar Amma pela beleza de sua vida ecoando sobre a nossa a certeza de como podemos ser belos, em todos os sentidos. Comprei uma guirlanda para oferecer - mas percebi que seria Amma a embelezar a pobre guirlanda, e não o contrário.

Minha respiração quase parada.
Abraço.
Mom, mom, mom, mom, mom, mom is hugging you. Meus ouvidos sentiram em meio a mantras.
Jai guru.
20 mães ou mais me abraçando
Recebo tonto uma bala e uma pétala como "prasada" = misericórdia.
Levanto e olho a platéia:
todos os rostos se fundiram em pontos de luz, um mesmo arco-íris.
Como caminhar?
Todos estão no mesmo abraço de Amma.
Tudo uma coisa só.

Tentei encontrar meus passos
e deparo com o sortudo da senha G1:
foi aí que tive de abraçá-lo.

2005-06-21

To Myrrh, part I

Heidelberg, June 2005 "Der Myrr I" (To Myrrh, part I)